Capítulo 2 - Pena & Espada

      Depois de uma noite longa de revelações, o grupo escolhe descansar para enfrentar um segundo dia de batalhas e jogos. O torneio prometia ser um grande evento. Espectadores e torcedores aglomeravam-se na cidade de Aria já pela véspera do evento. Foi impossível evitar os pensamentos sobre as expectativas. Imaginava onde seria o tal ''Coliseu'' apontado no manual; havia um mapa objetivo para os estrangeiros, indicando a localização correta. E também, pelo que percebera, as ruas estavam adornadas com sinalização específica.
      Na madrugada de turnos de vigia, Desmond mantém seu trabalho com a companhia do tecnomago que trabalha numa pilha de pergaminhos e outros papéis. Ali, no silêncio da noite, tomou por vontade a curiosidade de avaliar o resultado da experiência conjunta obtida com Xerxes aquela manhã. De pernas cruzadas sobre a cama, livro de fórmulas aberto e laboratório portátil montado, o alquimista abre a receita e revê os passos feitos. Perfeito.
      Só faltava uma coisa: testar em alguém. Olhou para os próprios braços, a ausência de marcas ainda o deixava intrigado quanto ao trabalho do tatuador excêntrico; porém, só podia confiar e tentar. A mistura de tintas, assim que recebessem a adição de uma fórmula funcional, fundiriam-se numa nova poção, segundo o que estudou no pergaminho de feitiçaria. Estendeu o livro ao colega de turno, interrompendo nalgum pedaço de seus estudos. Perguntou, se ele pudesse ganhar o efeito de alguma daquelas fórmulas, qual escolheria? Este leu brevemente e apontou com dúvida e interesse no trabalho alheio. Desmond agradece e aproveita a atenção dirigida para usá-lo de testemunha no experimento. Abre uma página alva e intocada.
       Sim... é possível! Com certeza é possível!, recorda a afirmação do homem, seguida por uma risada perturbadora.
      Desmond estica o braço esquerdo, e controla os componentes até um frasco vazio para criar a receita aconselhada por Dakato. Extrato pronto. Bastava somar as duas poções e esperar pelo efeito desejado. Ele começa a entornar um líquido para o outro recipiente, tudo segue normalmente na solução. Até que...
      Só que a arte não é como se quer, Gilbert.
A cor azul na qual a poção vai se  tornando, espalha como uma aura que percorre seu corpo. Como signos metamórficos, letras e desenhos aparecem aqui e ali como cálculos e diagramas. Desmond lê alguns, e nota que são trechos das habilidades mais usadas nos últimos dias.
      A arte... tem vida própria!
      Seguidamente, sente uma breve ligação com seus desejos apontados em palavras soltas e tamanhos diferenciados conforme sua motivação. Aquilo tudo era coisa de sua cabeça, a mente enérgica fazia a tintura dançar sem escolher formas.
      — Então é assim que ele conseguiu aquela pintura magnífica nas costas?! — suspeitou, rindo de contentamento. Cientistas adoram o gosto de novas descobertas. — Consegue ver também, Dakato?
      Ao que tudo indicava, algo feito pelo ''artista'' havia tornado sua mente capaz de manipular a gravação dos pigmentos por meios alternativos a agulha.
      — Agora isso deve funcionar nos meus extratos — disse direcionando a aura novamente para o vidro. — Toma, pode beber, e pense numa marca e local para que a tatuagem ganhe aparência.
      Naquela noite, seu número de extratos estava totalmente cheio. Exceto pela cura usada em Audrey. Deu um bilhete para o próximo vigia, explicando sobre o experimento e foi tomar o tão desejado banho antes de se deitar. ''Restam outras três doses de nível primário'', dizia no bilhete, com a lista das fórmulas disponível abaixo. ''Escolha e pode me acordar para fazer o preparo.'' Para cada poção feita, o bilhete era passado para o próximo.

      Pela manhã, após o desjejum caprichado na estalagem. Desmond voltou ao quarto para preparar quantas poções pudesse a tempo. No atual nível do time, ficar gastando energia para converter cura em extratos de aplicação era um desperdício de tempo e poder de combate. Preferiu usar os materiais comprados (mais baratos que as poções vendidas no mercado) e fabricar as doses para o grupo.
      Horas antes já mudava de roupas: trocou a calça rota por uma peça escurecida de tecido resistente, regata branca amaciando seu colete escuro, coturno, cintos e kits na cintura e na frente do colete, luvas negras e cotoveleiras do equipamento FASE foram aproveitadas nos braços descobertos do ex-militar. Por fim, o jaleco arranjado no galpão da Malha de Ferro, estava bem aberto, as mangas foram rasgadas para dar liberdade na luta; a gola levantada permitia ver nas costas o pequeno símbolo em vermelho adotado por ele. Um quadrado com pontas proeminentes servia de grade para o símbolo do elemento químico ferro: Fe.

      "Aquela mulher... uma guerreira com uma cicatriz daquela não me parece inexperiente", refletiu sobre a tal Lâmina Sinistra. "Se um dia alguém a acertou, ainda parece ter sido de raspão."
O frio corria pela espinha. A manhã aparentava estar ensolarada nas ruas lá fora.
      — Vamos! — tirou os homens da conversa. Desconfiava daquele estranho meio-máquina que somente passeava por todo o canto. — Chegando mais cedo, provavelmente acompanharemos a apresentação do evento junto com os espectadores. Antes de nos colocarem em campo, teremos alguma chance de avaliar o lugar todo — explicou sua pressa. — Seja bem-vindo, Grandão — direcionou o cumprimento para o recém-chegado guerreiro de aparência brutal.
      E assim cruzou a saída, esperando que os demais seguissem sua rota. Mantinha o mapa em mãos, também segurava o manual, revisando em busca de brechas ou facilidades no jogo.
      — Todos sabem pra onde eles foram? — perguntou Desmond. — Vamos achar todos no caminho, sem demora.
      Evitou comentários a respeito, apenas buscou atitudes, pois desaprovava que as duas mulheres e a menina mais ameaçadas em Gaia estivessem soltas por aí. Seguiu questionando o objetivo delas e se alguém lembrava quais foram os caminhos escolhidos.