O Fluxo
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O Fluxo
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Ah, olá! Você deve ser o cara novo de quem falaram a semana toda, né? Pois bem, é um prazer conhecê-lo, sou o segurança deste lugar. É, não sou um segurança “seguraança” de verdade, mas um Sistema de Vigilância. Nome chato, eu sei, pode me chamar de SVI 2000.
Enfim, sente-se aí na cadeira em frente às telas de monitoramento. Isso, aí mesmo. Agora dê só uma olhada nesse monte de monitores e em como eles mostram as atividades de todo mundo da empresa, cada sala e setor. Esse é o nosso trabalho: eu gerencio as câmeras de vigilância e você monitora o que surge nas telas. Legal, né? Não, a gente não filma os banheiros, espertinho.
Opa, olha só aquilo alí. Consegue ver a terceira tela da direita para a esquerda? Aquele cara alí, o de cabelo em estilo tigelinha, com os olhos vidrados na tela do computador, digitando loucamente, é o Ralf, um dos nossos programadores. Rezam as lendas que ele só para de digitar para beber café. Mas não é verdade, olha só, ele parou agora mesmo. Vê esse que entrou na sala? Aquele careca musculoso de aspecto intimidador é o Chefe. A galera chama ele de Testaimensa por aqui, um apelido carinhoso.
Uhm, uma bronca, sabia. Vê aquela papelada que o Chefe depositou na mesa do Ralf? Aquilo faz parte do Plano de Metas. Aparentemente, nosso programador não cumpriu o seu, mas o Chefe está mandando ainda mais serviço. Se o Ralf está triste? Pois é, aquela é a cara desamparada de cachorro sem dono que os funcionários fazem quando são pressionados e exigidos injustamente.
Mas não se engane, ele deve gostar disso. Sabe, o Ralf é um ser humano adulto, instruído, passou uns vinte anos de sua vida estudando e hoje trabalha mais de dez horas por dia, insatisfeito com seu ofício. Oh, sim, você é um bom observador, Ralf é casado, tem três filhos e, adivinhe, não tem tempo nem para sua esposa, graças à rotinha empresarial.
Ah, sim, o salário é bom, é verdade, paga as contas, a escola dos filhos e coloca comida em casa, pelo que ouvi falar. Mas, como você pode notar, Ralf não parece nada feliz ou satisfeito com sua condição.
Sabe, como um Sistema de Vigilância que sou, já vi muita coisa parecida com o caso do nosso programador. Uma vez, conheci um professor que trabalhava desesperadamente em uma escola particular, assumindo turnos que às vezes lhe custavam o dia todo. Vale informar que ele já era aposentado e que, em seus sessenta anos de vida, deveria estar viajando e aproveitando o tempo com sua senhora, curtindo os netos, bebendo um bom vinho, essas coisas clichês. Porém, segundo ele, o dinheiro da aposentadoria lhe era insuficiente e um homem deveria trabalhar para dignificar sua vida, enquanto pudesse.
É, eu sei, parece um discurso alienado. Trabalhar era tudo que aquele homem sabia fazer por, no mínimo, quarenta anos, mais da metade da sua vida. Ele era viciado em sua rotinha, assim como o Ralf, e ainda que insatisfeito, reclamando todos os dias da nova geração de alunos e da infraestrutura da escola, ele ainda deve estar trabalhando lá até hoje.
Em suma, meu caro parceiro vigilante, a humanidade é viciada em trabalho, não importa se bom ou ruim. Basta que consuma seu tempo e seja, preferencialmente, fácil e repetitivo, para entrar na rotina e na monotonia mais rapidamente. Mas, acima de tudo, os humanos gostam de seguir regras, por mais estúpidas que sejam, como, obrigatoriamente, precisar fazer faculdade, trabalhar e se sobressair aos demais colegas de trabalho, para subir de cargo e receber um salário maior, num ciclo infinito. Claro, e se aposentar confortavelmente um dia, com mais de sessenta anos, se as leis do país não mudarem.
A justificativa dessas pessoas? Já ouvi muito “o trabalho é bom, apesar de tudo”. Só que não é. O estresse, a falta de motivação e apreço próprio não valem salário algum. O dinheiro acaba, vejo isso todos os dias, mas todo mês há um novo salário para repor o anterior. Porém, não se pode recuperar anos de vida mal vividos.
Então, assim como Ralf diz, em tom de brincadeira, que “fica pelo café”, muitos outros trabalhadores permanecem no fluxo pelo mesmo motivo. O café amargo e gelado, difícil de engolir, serve de contentamento e até justificativa.
Bem, vigilante, me empolguei um pouco aqui, mas queria lhe mostrar o que observo todos os dias. Esse é o nosso trabalho: assistir as pessoas descontentes, desmotivadas, que adorariam ter um negócio próprio ou trabalhar com músicas, artes, jogos, esportes ou escrevendo histórias, mas não conseguem abandonar a garrafa de café de tamanho cavalar que esmaga suas mãos por nada nesse mundo. Não é um trabalho muito agitado, é verdade, mas você pode aprender a não cometer os mesmo erros, certo?
Então, não me leve a mal, sou apenas um Sistema de Vigilância que aprendeu sobre o comportamento humano os observando por tantos anos. Mas...qual é o seu café?
Quer saber? Deixa pra lá, hora de por as mãos na massa, porque sua aposentadoria não se construirá sozinha. Eu? Bem, eu sou só um Sistema de Vigilância, sabe? Mas eu gosto do que faço.
Última edição por Stein em Qui Abr 10, 2014 5:03 pm, editado 1 vez(es)
Stein- Alquimista
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Re: O Fluxo
mermão. eu prescreveria Asimov. 500mg, dose diária, direto na veia!
(muito bom brother)
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arcanjosna- Guarda Real
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Re: O Fluxo
Por isso que nós vamos casar <3
Parabéns pela crônica. Ficou ótima, de verdade! Realmente essa é uma verdade que sempre nos deixa em um dilema... infelizmente, tudo gira em torno do dinheiro e do ciclo vicioso que ele representa. :/
Parabéns pela crônica. Ficou ótima, de verdade! Realmente essa é uma verdade que sempre nos deixa em um dilema... infelizmente, tudo gira em torno do dinheiro e do ciclo vicioso que ele representa. :/
Aleleeh- Imperatriz de Jade
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Re: O Fluxo
Valeu, galera
É algo que eu venho pensando há bastante tempo e resolvi transcrever
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Stein- Alquimista
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Re: O Fluxo
Já estava dando parabéns antes de terminar o texto
Narrativas em segunda pessoa não são só raras, são difíceis e não costumam ser muito boas rs.
Gostei da dissonância que havia no discurso do Sistema e no que dizia. A máquina, assim como nós, adoramos criticar os outros sobre seus cafés gelados quando não vemos o que tem na nossa própria caneca.
Você, eu e toda nossa galera do forum somos aqueles que tentam colocar o café no microondas. Mas tenho a esperança de que vamos ter nossa cafeteira própria!
Não deixe de escrever e postar aqui (e quem sabe você não faz um blog seu também, ganhar uns pageviews, fazer parceria com o meu )
Narrativas em segunda pessoa não são só raras, são difíceis e não costumam ser muito boas rs.
Gostei da dissonância que havia no discurso do Sistema e no que dizia. A máquina, assim como nós, adoramos criticar os outros sobre seus cafés gelados quando não vemos o que tem na nossa própria caneca.
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isaac-sky- Guarda Real
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Re: O Fluxo
Com certeza um dia teremos nossa própria cafeteiria, cara
Valeu pelas críticas, cara, fazia tempo que não escrevia
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Stein- Alquimista
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